Inversão de papeis

Meu pai sempre foi um homem dominador de personalidade muito forte. Forte  não era bem o termo, ele se impunha e pronto. Um ditador.

Um homem bem humorado, instável e carinhoso. Bem mais que a mãe, para ser justa. Não era crítico, grau de moralismo razoável (para não dizer pequeno) e sem preconceitos. Mas tinha algumas contradições - acho que como toda pessoa.

O que mais me judiava era o fato dele não apostar em mim. Em ninguém. Nasceu pobre tinha que se conformar com o próprio destino, ele achava. Se fosse pela profecia dele, hoje eu seria professora, auxiliar de contabilidade ou agricultora, já que era o que estava mais à mão. O pai me esmagou. Foi ele (com a ajuda da família toda) quem cortou minhas asas.

Tenho muito da personalidade dele. Principalmente a irritabilidade.

Depois que o Gui nasceu, e que eu estava no segundo marido (já contei sobre isso) ele e a mãe passaram a ser meus melhores amigos.

Depois da separação deles passei a ser ainda mais sua amiga e uma das poucas pessoas (senão a única) que o entendia. Criticava, não concordava (em tom de bom humor ou acabava a conversa) mas entendia o como ninguém. Quando brigamos sofri muito. Ele passou dos limites (somado ao que já tinha feito a vida toda), foi manipulador, mesquinho e um monte de outras coisas e me proibiu de falar com ele.. Sem dúvida foi o maior sofrimento que já tive. Tenho certeza que nem a morte é tão triste (tenho minhas convicções sobre esse assunto e morrer não é o fim do mundo). Só seria pior se um de nós morresse sem dizer tudo um ao outro, sem uma reconciliação, um perdão verdadeiro. E eu como espírita tentava imaginar minha missão e pensava que as coisas não poderiam ficar do jeito que estavam.

E agora sei que ele valorizava minha amizade e que na verdade, não suportou foi ver que tomei partido (defendendo a mãe), então me afastou antes que eu mesma fizesse isso.

Depois disso estou bem mais leve. Preciso continuar cuidando dele desse jeito. Preciso continuar oferecendo o que acho mais raro no mundo: compreensão, verdadeira empatia.

Comentários

Anônimo disse…
Belíssimo post, muito pessoal, bastante sentido.

É uma relação de altos e baixos com o teu pai, melhor que a que eu tive com o meu, de quase distãncia absoluta fruto de muitas vicissitudes da vida, mas sei que deve doer essas mudanças de maré, de humor, de atitude, de partido, etc mas existem coisas, que, por mais que queiramos, não as conseguimos mudar. Não adianta.
Resta manter a presença, a coerência e, mesmo tu não sendo católica, seguir aqueles mandamentos do sentir compaixão pelos que estão inferiorizados fruto de imensas coisas e sobretudo sentir misericórdia por eles e perdoá-los por algumas coisas menos boas.

Tudo irá dar certo!´

beijo
Altos e baixos, mas uma relação bem intensa. Tanto ele quanto eu somos pessoas intensas. E essa atitude dele me pegou de surpresa, o pai não é de ficar muito tempo sem falar com alguém. Ele briga e no mesmo instante volta ao tom normal de voz e convida para um chimarrão.

Pensei no teu pai, na ausência dele enquanto escrevia e fazia mentalmente esse paralelo entre o ausente e o que está tão, mas tão presente que quase sufoca e de repente repele.

Não sou católica mas sigo os mandamentos, sabia? Sou cristã também. Já perdoei.

Martini, muito obrigada pela força, nessa e em outras situações. É bom contar contigo.


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